sexta-feira, 30 de julho de 2010

Arrumando o armário



Lars Lindstrom é um jovem tímido que mora isolado do mundo, na garagem da casa de seu irmão mais velho e de sua cunhada. Tem 27 anos, mas não gosta de sair, nem mesmo para tomar café com a família, apesar dos esforços quase acrobáticos de sua cunhada. Só sai para ir ao trabalho e à igreja. Mas um dia ele aparece na casa do irmão e avisa que vai trazer Bianca, sua namorada, uma linda missionária religiosa, meio dinamarquesa, meio brasileira, que não fala inglês. Bianca não caminha e precisa de uma cadeira de rodas, já que a sua foi roubada. Lars pergunta ainda se ela pode se hospedar na casa deles porque, como ambos são religiosos e solteiros, não acham correto ficar sob o mesmo teto. O irmão e a cunhada, que se preocupam com a solidão de Lars, ficam exultantes. Muito animados, arrumam o quarto de hóspedes e preparam o jantar. Em seguida, Lars aparece com a namorada. Então eles descobrem que Bianca na verdade é uma boneca inflável, daquelas de silicone em tamanho natural utilizadas para objetivos sexuais... Porém, Lars fantasia em sua cabeça que ela é real.

Este é o enredo de um filme que pega a alma da gente pelo pescoço e bota ela no colo para um diálogo de delicadezas.

A grande história do filme é como a família, a médica e a comunidade da cidadezinha lidam com a suposta maluquice de Lars naquele inverno. Depois do jantar de apresentação, a cunhada sugere que Bianca possa estar estressada com tudo o que viveu nos últimos tempos. Deveriam levá-la a uma médica conhecida, que também é psicóloga, para um check-up. Depois de examinar Bianca com o estetoscópio e auscultar a situação com os olhos e os ouvidos, esta médica diz que não lhe parece que Lars tenha uma doença mental que o leve a uma internação. Do jeito dele, Lars leva a sua vida, trabalha e não machuca ninguém. Para ela, Bianca chegou por algum bom motivo. Lars criou Bianca para ajudá-lo a resolver um conflito. Quando o conflito for solucionado, Bianca poderá partir.

Neste caso, diz ela, o melhor a fazer é acolher Bianca. "Mas ela é uma fantasia", diz o irmão. "Não", diz a médica, "ela é real". Está bem ali, na sala de espera do consultório. Para Lars ela é real – e este é o título traduzido do inglês ("Lars e a garota real"). "Mas vão rir dele", retruca o irmão. A médica dá uma olhadinha e afirma: "E de vocês também". Na manhã seguinte , o irmão não se contém e diz para Lars que Bianca "é só uma coisa de plástico". Lars dá um sorrisinho, cochicha com Bianca e explica: "Bianca diz que Deus a criou assim para poder ajudar os outros".

Interessante é que a médica convence a todos na cidade a lidar com Bianca como se fosse uma pessoa de verdade.

A partir deste momento, o filme conta como a cidade acolheu a Bianca de Lars. Ou melhor, como acolheu Lars. É graças a esse namoro, que Lars consegue se aproximar de ter uma virda normal, em contato com as outras pessoas. Ele começa a jantar coma família. Frequentar festas e até mesmo interagir com as pessoas do escritório. Bianca traz um novo mundo de convivência para Lars, fazendo com que ele descubra as pessoas que realmente gostam dele.

Embora a realidade dele parecesse bizarra para todos – e para cada um à sua maneira – não o julgaram. Apenas o acolheram. Esvaziaram-se de seus preconceitos para alcançá-lo, ainda que não pudessem entendê-lo. Não podiam entendê-lo nem ver o que ele via, mas podiam amá-lo. Em vez de destruí-lo porque não podiam entendê-lo, como acontece habitualmente, o amaram mais.

Se um Lars aparecesse perto de nós – e a verdade é que volta e meia aparece algum –, o mais provável seria enquadrá-lo no escaninho de alguma doença mental e dopá-lo.

Antes da luta antimanicomial, os hospícios estavam cheios de gente parecida com Lars. Malucos, lunáticos, delirantes, loucos, fora da casinha... Gente que, mesmo não tendo nenhum traço de violência, nos perturba porque ouve vozes que não ouvimos, considera real o que para nós é fantasia, desafia nossa suposta normalidade. Gente que, com a sua diferença, nos perturba tanto que só conseguimos dar uma resposta violenta: a rejeição.

E aí eu me pergunto: quanto de nós que nos auto classificamos de "normais", rejeitando aqueles que julgamos anormais, não temos as nossa bonecas infláveis???

É uma pena que precisemos tanto de julgamentos sobre o que é um comportamento normal ou não, e esquecemos de olhar para a nossa própria vida, com a honestidade necessária, para perceber que cada um de nós acredita em coisas muito estranhas e
bizarras... Talvez as nossas bonecas possuam formatos diversos, porém, não menos bizarros: namorados infláveis, empregos infláveis...

É triste viver num mundo onde diante de qualquer diferença, mesmo que de opinião, seja preciso cair matando. Que gente tão insegura e pobre de espírito nos tornamos para temermos tanto aqueles diferentes de nós???

Sempre que vejo alguém desqualificando um outro por suas ideias, suas preferências e suas crenças, fico pensando: será que esta pessoa tem uma vida tão sensacional que todas as outras precisam ser esculhambadas??? Desconfio que seja exatamente o contrário.

Acho que, em alguma medida, todos nós temos bonecas infláveis que nos ajudam na tarefa complicada que é viver. Especialmente quando essa tarefa fica muito difícil.

Seria tão bom se conseguíssemos amar melhor o próximo... pois não há nada mais fora da casinha do que sacar a metralhadora de certezas e disparar por aí quando temos os nossos armários repletos de pequenas bonecas infláveis e outras bujingangas emocionais que nos são essenciais.

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Ellen Cristina