quinta-feira, 8 de julho de 2010

Relações patológicas



Vou trancrever aqui mais uma vez, ipsis litteris, um texto escrito pelo colunista Ivan Martins. Esse texto foi escrito à época do julgamento do casal Nardoni. Sempre me encanta a percepão desse jornalista no que concerne às relações humanas.

"Às vezes as pessoas se ligam por meio de sentimentos ruins.


Todo mundo conhece um casal maluco. São aquelas pessoas que vivem às turras, fazem cenas em público, separam-se a cada par de meses, falam mal um do outro para todo mundo e, inexoravelmente, voltam. Para começar tudo de novo.

Esse tipo de relação doentia é comum. Acredito que a maioria de nós, adultos, já teve algum tipo de experiência com ela. Quem tem sorte sai em pouco tempo. Os azarados ficam no purgatório por anos, com consequências terríveis.

Na madrugada de sexta-feira para sábado, ouvindo a sentença do juiz para o casal Nardoni, tive a súbita percepção de que os condenados, Alexandre e Ana Carolina, viviam esse tipo de relação infernal.

Havia brigas, havia ciúme, havia violência física, tensão e exasperação. Tive a impressão, pelos depoimentos, que existia entre os dois um jogo permanente de exigências, ameaças, chantagens e rendições.

O que quer que tenha acontecido na noite da morte de Isabela foi uma conseqüência da interação atormentada (e, afinal, malévola) entre seu pai e sua madrasta.

Essa constatação não atenua e nem agrava o crime pelo qual os Nardoni foram condenados. Apenas lhe dá uma moldura: a das relações conjugais recheadas de maus sentimentos e alimentadas pelo pior em cada uma das partes.

Mas por que homens e mulheres vivem nessas masmorras afetivas? Eu não sei. Mas sei que a dinâmica dos casais envolve sentimentos complexos, contraditórios e muitas vezes obscuros para os próprios envolvidos.

Além das coisas boas das quais gostamos de falar, (como ternura, desejo e admiração), há nos relacionamentos boa dose de ingredientes inconfessáveis.

Há raiva, dependência e medo. Há dominação e controle. Há perversidade também. As pessoas convivem com essas coisas como convivem com as coisas boas. E vão tocando.

Nas relações patológicas, os sentimentos ruins fornecem a base da ligação do casal. Isso não quer dizer que as pessoas metidas nesse tipo de parceria vão cometer crimes, mas é provável que elas façam muito mal a si mesmas e aos que estão em volta.

Lembro de um conhecido casado com uma mulher terrível: dominadora, encrenqueira, possessiva, capaz de enorme hostilidade. Ela parecia não admitir que o rapaz tivesse relações fora do controle dela. Aos pouco, foi brigando com todos os amigos e com toda a família dele, até isolá-lo dentro do núcleo formado pela família e pelos amigos dela, complemente submissos à sua vontade. Assim, ficaram numa redoma apenas o casal, a filha e a loucura deles. Por vários anos.

Há uma lógica interna nesse tipo de relação que nada tem a ver com a realidade, mas que justifica quase tudo. É nessa zona cinzenta, de compreensão impossível para quem está de fora, que se constrói a cumplicidade apodrecida desses casais malucos.

Mas relações desse tipo, claro, não são estáveis.

Se alguém precisa controlar é por que está morrendo de medo e de insegurança. Se alguém se deixa manipular é por que precisa desesperadamente de atenção. Mas quem se curva o faz com raiva e com ressentimento, que vira e mexe explodem. E quem controla está exasperado com o medo de perder seu poder sobre o outro.

Medo e raiva tornam-se nessas relações sadomasoquistas um cimento tão eficaz como desejo e ternura em uma relação saudável: as pessoas se vinculam e tornam-se ligadas através desses sentimentos. Rebelam-se e retornam a eles.

De qualquer forma, a tensão é imensa e as pessoas se habituam a ela. Passa a ser o ambiente da casa. Quando há filhos, as crianças vivem e respiram nesse clima e, frequentemente, são alvejadas pela loucura dos pais.

Minha tese sobre esse assunto é que as pessoas envolvidas nesse tipo de relação não são necessariamente malucas, mas a interação entre elas é doentia.

A mulher possessiva pode ter um namoro normal com um sujeito que, de alguma forma, a faça tranqüila. Pode ser pelo sexo, pode ser pela dedicação, pode ser por demonstrações práticas de amor.

O mesmo homem submisso pode, em outro contexto, ter uma relação altiva e prazerosa, que desperte nele o prazer da autonomia e da independência.

Em geral é isso que acontece: as pessoas passam por relações neuróticas, aprendem algo sobre si mesmas e dão no pé, em busca de coisa melhor.

Nem todas, porém, agem assim. Por algum motivo, alguns permanecem trancados no inferno das relações disfuncionais. A esses pode acontecer de tudo, inclusive violência e crime. Só não há o risco da felicidade."

(Ivan Martins - Revista Época)

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Esse blog é a minha casa virtual, nele exponho as minhas idéias e coisas interessantes que encontro por aí, tais como poemas, crônicas, dicas... Portanto, seja bem vindo!!! Deixe seus comentários e sugestões, pois será um prazer saber a sua opinião sobre os temas postados. Um beijo enorme!!!
Ellen Cristina