terça-feira, 21 de julho de 2009

O silêncio do macho


Lí esse texto e amei, pois encerra muitas verdades sobre o papel masculino na sociedade, sobre o quanto eles estão perdidos no desempenho desse papel, e o quanto nós mulheres somos contraditórias em nossas cobranças e sobre o que esperamos deles.

O texto foi por Eliane Brum, Repórter especial de ÉPOCA. Ela integra a equipe da revista desde 2000. Ganhou mais de 40 prêmios nacionais e internacionais de Jornalismo. É autora de A Vida Que Ninguém Vê (Arquipélago Editorial, Prêmio Jabuti 2007) e O Olho da Rua (Globo)


"O sociólogo francês Daniel Welzer-Lang está no Brasil para falar de seu novo livro, ainda sem tradução para o português. Nous, les mecs poderia ser traduzido como “Nós, os machos” ou “Nós, os caras”. Nele, o sociólogo, professor titular do departamento de Sociologia e pesquisador do Laboratório Interdisciplinar Solidariedades, Sociedades, Territórios, da Universidade de Toulouse II, fala sobre algo crucial do nosso tempo. Estudioso da masculinidade e da violência, Welzer-Lang diz: “Nós estamos vivendo, hoje, uma época paradoxal: nunca antes as mulheres, ainda submetidas a formas variadas de dominação masculina, falaram, discutiram e contestaram tanto. Nunca antes os gays, lésbicas e bissexuais abordaram tanto seus modos de vida. Entretanto, os homens continuam em silêncio”. Welzer-Lang cita o sociólogo canadense Marc Chabot: “A palavra dos homens é o silêncio”.

O que é ser homem, hoje? Pergunta difícil. O lugar do homem no mundo contemporâneo é uma excelente pergunta ainda com poucas respostas. Provavelmente porque a crise da masculinidade levará não a um modelo fechado, mas a múltiplas possibilidades. No espaço público e privado, os homens pouco debatem suas dores, muito se debatem com as fronteiras difusas do seu papel. Tenho observado a trajetória errática de amigos e conhecidos, tentando entender o que o mundo – e as mulheres – espera deles. E sem coragem de fazer uma pergunta mais perigosa, que vai doer mais, mas talvez os leve para um lugar no qual possam se reconhecer: qual é o meu desejo?

Perguntar sobre o que somos é sempre uma indagação sobre o desejo. Penso que os homens heterossexuais têm se perguntado muito pouco sobre seu desejo. Quase como se não tivessem direito à pergunta, menos ainda à resposta. É como se, culpados por séculos de opressão das mulheres e igualmente condenados por séculos de afirmação homofóbica, não tivessem direito a querer nada. É a vez das mulheres, dos gays, lésbicas, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros pronunciarem o seu desejo – e quanto mais alto melhor. Aos homens heterossexuais coube introjetar um “cale-se, vocês já falaram durante séculos”. Resta a eles o silêncio.

Voltam-se então para o que nós, as mulheres héteros, cada vez mais verborrágicas, esperamos deles. E nós, também tão confusas sobre o que esperar de nós mesmas, diante de tantos imperativos à altura apenas de super-heroínas, os enlouquecemos. O “homem novo” seria uma mistura de ursinho puff com godzilla (meigo, mas com pegada). Potente, mas voltado apenas para a satisfação do nosso desejo, ele teria de alcançar, nos confins do nosso corpo, pontos nebulosos cada vez mais avançados no alfabeto.

O “homem novo” deve ser sensível, mas se “falhar” no sexo, algumas de nós contarão do “fracasso” para a amiga com secreta satisfação no dia seguinte. E ele nunca mais será olhado com o mesmo respeito. Enchemos a boca para falar de nossa carreira, de nossa independência e do dinheiro que ganhamos, mas não estamos muito dispostas a sustentar um marido desempregado ou num mau momento profissional, sem considerá-lo um loser. Reservamos epítetos machistas para as ex-mulheres de nossos homens, e muitas de nós competem com as filhas desses casamentos como se disputássemos o mesmo lugar.

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* »Leia as colunas anteriores de Eliane Brum

Por outro lado, esperamos que eles sejam os pais de nossos filhos, quando soar o alarme dos 30 e poucos, mas também podemos reduzi-los a um espermatozóide anônimo num banco de esperma, se for necessário. E se eles não quiserem ter filhos, uma escolha legítima nos dias de hoje, pelo menos para nós, no caso deles é porque não cresceram, seguem estacionados na adolescência e, de novo, não conseguiram tornar-se homens.

Esse comportamento não é circunscrito às mulheres de classe média. Tenho observado e conversado com mulheres pelas periferias de São Paulo. Muitas sustentam a casa, criam os filhos e não sabem bem para que serve o homem dentro de casa. Algumas parecem manter os maridos por uma crença de que é importante, ainda que devido a um certo status na comunidade, ter um. Mas não têm muita esperança de descobrir para que mais servem. E falam deles com um desprezo acachapante.

No mesmo sentido, basta ir a qualquer bairro de periferia de uma grande cidade, para descobrir que as mulheres não estão em casa durante o dia, mas muitos homens sim. E para não assumir o território ainda tabu do lar, ficam pelos bares, pelas ruas, se alcoolizando ou se drogando. Ou arrumando briga, a violência como um espaço que ainda reconhecem como seu. Sem trabalho, sem perspectiva, sem lugar. E sem conseguir verbalizar essa dor, menos ainda elaborá-la.

Se perguntarem a nós, mulheres-alfa (!!!?), o que esperamos do novo homem, machos de todas as classes sociais vão descobrir que é muito mais fácil passar por um ritual de virilidade de alguma tribo indígena. Ou matar um lobo numa caverna, como fez Leônidas, o rei de Esparta, no filme 300. Aliás, num mundo em que todos os rituais e os privilégios do macho foram eliminados ou estão sub judice, como se reconhecer? Como não silenciar diante do barulho dos “dominados”, que invocam o direito de igualdade? Como saber o que é um homem se não é preciso mais de um nem para fazer um filho?

Em uma entrevista ao Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos (CLAM), uma das entidades que o trouxe ao Brasil, Welzer-Lang diz, com muita lucidez: “Nós somos socializados, enquanto dominantes, na luta para ver quem é o melhor, o mais forte. Mas também somos socializados de maneira homofóbica e vistos como ‘os grandes incapazes afetivos’. É tempo de os héteros fazerem também seu coming out, falarem da pluralidade de seus desejos e de suas práticas”.

Sou otimista. Acredito que essa profunda crise do masculino levará a homens muito mais livres em suas possibilidades. E penso que cabe a nós, mulheres, suspender um pouco a nossa verborragia tão perto da histeria e escutar com mais generosidade nossos parceiros. Escutar sem os preconceitos dos tantos papéis que assumimos – e dos tantos que impingimos a eles. Escutar é talvez o mais profundo ato de amor. E é sempre um começo sedutor para um encontro entre corpos com alma.

Os homens não são os únicos a bater cabeça por aí. Também nós sofremos e nos confundimos o tempo todo. Assim como continua não sendo fácil ser gay, lésbica ou transgênero. Mas acho que hoje é mais difícil para um homem saber o que é, qual é o seu lugar e qual é o seu desejo. Penso que são os homens heterossexuais que hoje vivem um grau variado de repressão. E, diante de demandas tão contraditórias, sofrem sem ousar perguntar qual é o seu desejo. A esses homens, sugiro suspender por um tempo a questão do que nós, mulheres, esperamos de vocês – e passar a perguntar o que querem de si, para si."


Eliane Brum

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